O Agronegócio e as dificuldades de implementação de regras de governança nas empresas familiares

O agronegócio está em ascensão mundial, com forte necessidade de expansão da produção de alimentos para suprir a demanda populacional e alavancar ainda mais este setor econômico. O Brasil já figura como um dos maiores exportadores de alimentos para o mundo e nas próximas décadas deverá aumentar consideravelmente sua produção e relevância global como produtor de alimentos.

O aperfeiçoamento do setor se mostra necessário, de modo a torná-lo mais profissionalizado, pois a cadeia produtiva brasileira está significativamente atrelada à realização da produção por empreendimentos familiares, os quais, dado a sua condição e simplicidade, dimensionam, em maior parte, sua atenção à atividade agrícola em si, sem, contudo, considerar a propriedade como empresa que é. Dentre inúmeras formas de profissionalização dentro das propriedades familiares, está a necessidade de instituição de regras de governança como ferramenta de fortalecimento do agronegócio familiar¹.

A governança importa em um conjunto de boas práticas de gestão com o objetivo de profissionalizar e proteger as propriedades familiares, pensando no futuro do negócio, inclusive na sucessão do mesmo². Com a instituição de regras de governança pelas propriedades familiares, poder-se-á tratar os problemas reais vivenciados em relação à gestão, riscos, sócios, controles, sucessão, entre outros.

Ocorre que, mesmo o agronegócio representando cerca de 22% do PIB brasileiro e figurando como uma das mais importantes fontes de geração de renda e riquezas do País³, esse setor ainda concentra muitas particularidades, principalmente face a sua estruturação em denominadas empresas agrícolas familiares.

Nessa senda, não há uma empresa devidamente constituída e a produção é fruto do trabalho de agricultores e seus familiares, cuja expertise está centrada no planejamento e execução de técnicas específicas de cuidados com o solo, plantio, manejo e colheita, sem, todavia, possuir uma formatação negocial profissional. Assim, a atividade desenvolve-se e resulta frutos.

Essa forma de condução, embora dotada de muitos conhecimentos práticos e por meio de árduo trabalho no campo, na maioria das vezes, deixa de considerar a propriedade como uma empresa agrícola que é e, desse modo, não considera e efetiva determinadas soluções que obstam eficiência do negócio.

Uma das principais mazelas das propriedades rurais geridas pelo grupo familiar está na inexistência de conscientização por parte dos produtores do caráter empresarial do empreendimento e a necessidade de adoção de práticas profissionais, como, por exemplo, a instituição de regras de governança, como meio de aperfeiçoar as relações e gestão dentro da propriedade.

Percebe-se, então, a existência de um conservadorismo arraigado nas famílias de produtores rurais, onde o poder de decisão, embora em fase de transformação, ainda está centrado na pessoa do patriarca, que exerce o seu ofício de forma totalmente simplista e resistente a implementação de inovações de gestão dentro da propriedade.

No entanto, com o avanço do setor agrícola e diante da existência de inúmeros conflitos familiares na gerência da propriedade, a profissionalização do setor é medida imperiosa a perpetuar a continuidade da atividade produtiva, com a eficiência do negócio e sem que a propriedade venha a sofrer os impactos gerados por conflitos entre seus membros.

É comum deparar-se com problemáticas vivenciadas por grupos familiares de produtores rurais relacionadas à divisão dos frutos e débitos, partilha de bens e equipamentos, formas de gestão e empreendedorismo, extinções societárias, etc, as quais, muitas vezes acabam ferindo significativamente o empreendimento agrícola por não haver estabelecimento de regras de governança.

Os impactos da inexistência de regras de governança dentro da propriedade agrícola, via de regra, refletem negativamente na administração do patrimônio e podem interferir diretamente na manutenção e crescimento do negócio.

À exemplo disso, pode-se citar inúmeros casos em que o patriarca da família adoece ou até mesmo falece e, seus sucessores, por não estarem totalmente cientes das relações que envolvem o empreendimento, seja com relação a negociações, seja com relação a forma pela qual a sociedade se estabelecia, não sabem como manter a gestão ou não possuem interesse em perpetuar as sociedades, ocasionando em significativos prejuízos ao negócio e desgastantes aborrecimentos às partes.

Uma maneira de evitar esses percalços consiste na necessidade de a empresa familiar instituir regras de governança, na qual haverá um conjunto de processos, costumes e leis que nortearão a forma como a propriedade será administrada, especificando e detalhando a gestão do negócio, dentre as mais variadas situações, sejam elas patrimoniais ou pessoais.

A governança corporativa dentro das propriedades rurais se mostra necessária como forma de evitar conflitos familiares e manter o patrimônio rural, já que, estima-se que 80% dos negócios familiares não chegam a terceira geração, 07 a cada 10 empresas familiares não possuem procedimentos para resolução de conflitos familiares e somente 20% das fortunas brasileiras são herdadas.¹

.Assim, oportuno modificar esta cultura tão preeminente na gestão das propriedades rurais, por meio da conscientização dos jovens produtores, que além de estarem buscando a aprimoração dos seus conhecimentos técnicos, implementando o uso de novas tecnologias, possuem olhar mais altivo ao deslinde do negócio produtivo e visualizam a profissionalização do empreendimento como agregação de resultados. Desse modo, tendo em vista as transformações na cadeia produtiva do agronegócio, com acentuada necessidade de ampliação e profissionalização da atividade, principalmente daquela exercida familiarmente, depreende-se relevante a inserção de uma cultura inovadora dentro das propriedades, como forma de proporcionar maior tranquilidade a continuidade e ascensão do empreendimento familiar, por meio da instituição de regras de governança dentro da propriedade agrícola. 

¹Borges, Filipe Gonçalves. A constituição de Pessoa Jurídica no Agronegócio. São Paulo, 2017.
Manica, Alexandre C. Direito Societário no Agronegócio.
Jank, Marcos S. Painel 1 – Agronegócio Global: Desafios e Perspectivas para o Brasil. 26º Congresso Insternacional da Indústria do trigo. Campinas, 2019. Insper Agro Global, Global Agrobusiness Center
¹MPrado Blog. Governança Corporativa no Agronegócio, 2019. Disponível em: https://www.mpradoagro.com/blog/governanca-corporativa-no-agronegocio#. Acesso em 26.06.2020
IBGC Equipe. Especialistas apontam governança como ferramenta de fortalecimento para o agronegócio. 2020. Disponível em: https://www.ibgc.org.br/blog/ibgc-conecta-webinar-agronegocio-pos-crise. Acesso em: 26 jun. 2020
LOURENÇO, Joaquim Carlos. A Evolução do Agronegócio Brasileiro no Cenário Atual. 2008. Disponível em: https://administradores.com.br/artigos/a-evolucao-do-agronegocio-brasileiro-no-cenario-atual. Acesso em: 25 jun. 2020.
² MACHADO, Adriano; PEREIRA, Fabio. Governança e gestão das empresas do agronegócio. 2020. Disponível em: https://www.paginarural.com.br/artigo/2998/governanca-e-gestao-das-empresas-do-agronegocio. Acesso em: 25 jun. 2020.

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