O Código de Processo Civil vigente trouxe em seu bojo uma série de alterações significativas de modo a promover a desjudicialização de procedimentos, principalmente daqueles consensuais que possuem desfecho satisfatório na forma extrajudicial. Um dos avanços do novo Código foi a inserção da possibilidade de realização da usucapião extrajudicial no artigo 1071 e seguintes, dispositivo este que acrescentou o artigo 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
A novidade de possibilitar a aquisição da propriedade imóvel mediante a posse qualificada da coisa pelo prazo legal¹, denominada usucapião, de forma extrajudicial, trouxe em suas exigências, a necessidade de apresentação de documentos específicos, dentre eles, da Ata Notarial como requisito essencial para o registro da usucapião extrajudicial no Ofício de Registro de Imóveis competente.
Depreende-se que o instituto da usucapião está diretamente ligado à utilidade social da propriedade e de acordo com as mais diversas teorias doutrinárias, tem o condão de punir a inércia do titular da propriedade, garantir segurança jurídica e estabilidade às relações jurídicas, assim como a função social da posse e da propriedade, cujo foco é a efetiva utilização da coisa pelo possuidor sem oposição.²
Nessa senda, nas palavras de Silvio de Salvo Venosa: “Premia-se aquele que se utiliza ultimamente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se insurgindo que o outro o faça, como se dono fosse.”
Não obstante, a usucapião é definida na doutrina como o “modo originário de aquisição da propriedade e outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada por requisitos estabelecidos em lei”(BRANDELLI, 2004).
Trata-se, então, de uma forma de tutelar a posse como direito especial, garantido constitucionalmente como uns dos elementos básicos da dignidade da pessoa humana, visto que a posse, nas palavras de Gil³, é o direito que mais se aproxima da realidade social.
Possibilita-se, então, o reconhecimento da usucapião de imóveis, de forma extrajudicial, em qualquer de suas modalidades, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto. Entretanto, muito se discute a essencialidade da confecção da ata notarial como uma dessas obrigatoriedades à instrução do requerimento de usucapião extrajudicial.
A ata notarial embora já existisse anteriormente ao advento no novo código de processo civil, ganhou efetivo destaque a partir de então, quando, no capítulo que trata das provas, estabeleceu no artigo 384 a possibilidade de ser atestado por meio de ata lavrada por tabelião, a existência e o modo de existir de algum fato, documento, dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos.
Assim, a ata notarial é um instrumento público, a exemplo da escritura pública, na qual o tabelião de notas, por solicitação da pessoa interessada, constata e/ou relata fielmente fatos, coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência ou o seu estado.
Portanto, para que o procedimento de reconhecimento da usucapião extrajudicial seja possibilitado, imperioso se mostra a lavratura de ata notarial com características próprias, para que o tabelião ateste, no mínimo, o tempo da posse do requerente e a cadeia possessória, de acordo com a modalidade da usucapião desejada. Denota-se, por óbvio, tratar-se da lavratura de um documento público que ateste elementos que possibilitem ao registrador certeza para atribuir a propriedade.
Segundo orienta a Cartilha do 26º Tabelionato de Notas – Paulo Roberto Gaier Ferreira, “Atestar o tempo de posse é uma prova, de fato, impossível ao tabelião realizar. O que a lei deseja é a autenticação notarial da demonstração dos elementos caracterizadores da posse, não como certeza absoluta do que presencia.”
Desse modo, incumbe ao notário aferir com base na sua percepção de fatos e documentos apresentados, e, entendendo necessário, mediante verificação in locu no imóvel, a presença dos requisitos necessários para a usucapião, de modo a atestar o tempo estimado da posse mansa e pacífica pelo requerente, a concordância dos confrontantes quanto a referido lapso temporal e a planta do imóvel ou memorial descritivo apresentados, cujas anuências e declarações serão coletadas na ata notarial.
Trata-se então, a ata notarial, de um meio de prova extrajudicial, antecipatório e que produz eficácia acautelatória de preservação de direitos, cuja utilidade é extremamente necessária em um mundo em que os fatos e eventos são voláteis, surgindo, modificando e desaparecendo com rapidez, decorrência da atual era da informação (Olgado, 2016).
Ou seja, a ata notarial apresenta a descrição de um ato ou fato qualquer circunstanciadamente narrado sob a fé pública do tabelião, não podendo haver na mesma a narração de vontade do requerente destinada a concretizar o suporte fático destinado a celebrar o ato jurídico pelo instrumento público, já que insere-se em uma das funções essenciais da atividade notarial que é a de autenticar fatos.
Na visão de Pedro Ávila Álvarez, a ata notarial não é exaustiva, porquanto o ato ou fato nela consubstanciado pode ser provado por qualquer outro meio de prova admitido em direito, entretanto como requisito para a demonstração do tempo da posse e suas circunstâncias, deve ser imprescindível a sua juntada com o requerimento que inaugura o procedimento extrajudicial da usucapião, de modo a atender os princípios registrais que controlam a disponibilidade dos direitos relacionados ao imóvel.
Nessa senda, a ata notarial se mostra requisito essencial ao procedimento extrajudicial da usucapião como título demonstrativo da verdade natural atestada pelo notário capaz de alterar a verdade registral do imóvel junto ao registro de imóveis, consolidando a propriedade do imóvel usucapiendo ao requerente diante comprovação da posse prolongada e inconteste sobre o mesmo. [1]
¹COSTA, Dilvanir Jose. Usucapião: Doutrina e Jurisprudência.Revista de Informação Legislativa. Brasilia a.36 n.143 jul.set./1999.
²WITTWER, Stefanie Knappmann. A introdução da usucapião extrajudicial de imóvel no novo CPC: Desjudicialização como forma de garantir a celeridade para a aquisição da propriedade fundada na posse. Revista Bonijuris, Março, 2017 Ano XXIX, n.640
³GIL, Antonio Hernandez. Citado por WITTWER, Stefanie Knappmann. A introdução da usucapião extrajudicial de imóvel no novo CPC: Desjudicialização como forma de garantir a celeridade para a aquisição da propriedade fundada na posse. Revista Bonijuris, Março, 2017 Ano XXIX, n.640
BRANDELLI, Leonardo. Ata notarial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2004
OLGADO, Jose Lucas Rodrigues. O PAPEL DA ATA NOTARIAL NO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE USUCAPIÃO. Disponível em: <https://www.colegioregistralrs.org.br/doutrinas/o-papel-da-ata-notarial-no-procedimento-extrajudicial-de-usucapiao-por-jose-lucas-rodrigues-olgado/https://www.ibgc.org.br/blog/ibgc-conecta-webinar-agronegocio-pos-crise>. Acesso em: 16 Out. 2020